quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Um amor na Rua Direita.

Olá! Eu adoro escrever. Isso é fato. Adoro falar, mas amo, também, ouvir histórias, principalmente de pessoas mais velhas.



Rua Direita
Por isso, vou contar hoje uma história de um amor que nasceu na Rua Direita, sim, aquela do centro de São Paulo, pertinho da Sé.


Ela, Maria José, ele José Machado. Ou MJ e JM. Ela era minha vizinha quando eu morava no Chácara, vizinha de frente, era nossa guardiã, mais do que uma vizinha, uma mãe. Cuidava da nossa casa, da nossa chave, de nós. Não tenho palavras para agradecer a essa mulher por tudo o que ela fez e tem feito por mim, hoje, também. 


Eu precisava contar essa história. Uma de milhares que ela tem pra contar. E eu achava que era eu quem tinha memória de elefante. Ledo engano.


Então, tá. Vou começar. 


Hoje, Maria José tem 74 anos e seu grande amor, teria 77. É, teria...





Bom, em outubro de 1962, Ditadura, vésperas do Golpe Militar que viria em 64, Maria José, com então 26 anos, tinha saído de Recife, onde foi casada por 6 anos, veio a São Paulo, separada, sozinha, de mala e cuia, ou sem lenço, sem documento, tentar a vida pelas bandas de cá. Ela sonhava vir a São Paulo para comprar uma máquina de costura. Esse era seu sonho, que foi realizado, como muitos outros depois.


Praça do Correio
Maria José conseguiu um trabalho de doméstica em casa de família na Rua Iguatemi, aquela ali, perto da Faria Lima, no Itaim, e um certo dia, foi colocar uma carta no correio, como fazia todos os meses. Naquela época, não era como hoje que tinha correios espalhados ou caixas, ela precisou ir até o Anhangabaú postar a carta, na Pça do Correio. Colocou a carta, com dinheiro, endereçada à mãe. Uma ajudinha para as despesas, era o que ela podia fazer.


Ao voltar, parou na Igreja de Santo Antônio na Cidade (lembra quando chamávamos o Centro de Cidade?), na Rua Direita, na Pça Patriarca. Lá, ela fez 3 pedidos. Diziam que quando você chega numa igreja pela primeira vez, tem que fazer 3 pedidos que se realizam. 


Maria José fez os 3 pedidos: 
1 - Encontrar uma pessoa para lhe fazer companhia, para conversar
2 - Trazer a mãe para morar com ela em São Paulo
3 - Comprar uma casa para a mãe


É, Maria José tinha tanta fé, que não só a máquina de costura, ela comprou (o que eu creio que mais do que fé, se chama trabalho, suor), mas também, estes três sonhos, ela realizou. E ela nem precisou colocar o santo de cabeça para baixo!


Depois de fazer os pedidos, estava se virando para ir embora, quando avistou um grupo de boêmios, cantando na calçada e naquela época, os homens e mulheres andavam bem-vestidos. Tanto que ela percebeu um homem, de terno e gravata, bem arrumado, olhando pra ela. Maria José ficou envergonhada e temerosa, mas não foi embora. E enquanto apreciava a música, percebia que o cavalheiro continuava a olhá-la. Quando ela resolveu ir embora, eis que o rapaz a interceptou, polidamente, e perguntou-lhe se ela não era de São Paulo e logo pediu o seu telefone.


- Não sou, como sabes? disse Maria José.
- Pude perceber. Meu nome é José Machado e o seu?
- Maria José e sou de Recife.
- Eu sou de Minas Gerais, da cidade de Divinópolis. Me daria seu telefone?


Ela de vestido xadrez branco e azul e sapato branco, combinando com a bolsinha branca, doméstica e ele de terno, dono de uma barbearia na Brigadeiro Luiz Antônio


E eis que ali, na Cidade, no Centro, no berço de São Paulo, onde tudo acontecia e ninguém tinha medo de ficar até mais tarde, simplesmente ouvindo músicas de Demônios da Garoa, nascia um lindo e inesquecível amor, que duraria não apenas alguns instantes, mas 10 anos.


MJ e JM


Maria José e José Machado começariam a se ver constantemente e o romance que levaria 6 meses para ser concretizado, digamos, com algo mais íntimo, continuou entre muitos brigadeiros, sejam Faria Limas ou Luiz Antônios.


Até que um dia, eles discutiram e não se viram mais. E uma certa tarde, 6 meses depois, ela foi atrás, para saber o que tinha acontecido com Machado e descobriu que ele tinha falecido. Do coração. E...acabou...


É, talvez, ele não tivesse aguentado a perda daquela baixinha pernambucana, que muito alegrou o coração daquele mineirinho barbeiro, juntos na época, numa cidade que ilude, que dá o dinheiro, que faz sofrer, mas, também, que constrói amores, paixões.


Viva, São Paulo. E quem disse que a gente quer sair daqui? pra quê?